Terceira parte do post "Domínio estadunidense na ginástica artística feminina?". Confira os posts anteriores: parte 1 e parte 2.
Segunda variável: a estrutura física e burocrática do esporte
Agora que já estamos cientes da dimensão do sucesso americano é importante entender a estrutura interna que o sustenta. Enfatizo, a priori, o apoio estatal que o esporte recebe naquele país. É inegável que a posição dos Estados Unidos como maior potência esportiva do mundo se deve a este aspecto. Com relação à ginástica, esse apoio se manifesta através de investimento em estrutura de ponta, capacitação e intercambio constante de técnicos, difusão de know-how, amplo suporte em competições, gestão extremamente eficaz do órgão responsável (USA Gymnanstics, espécie de confederação americana de ginástica), além do apoio a todos os envolvidos no esporte, principalmente técnicos e ginastas. Tal apoio, em última instância, torna possível a técnicos e atletas ter uma vida confortável ao mesmo tempo em que se desenvolvem no esporte, realidade diametralmente oposta à brasileira.
Outro elemento muito importante é a consistência econômica e organizacional que os clubes de ginástica dispõem por lá. A ginástica artística americana consegue se manter e até dar lucro, haja vista os incontáveis clubes especializados na ginástica. Em outras palavras, lá a ginástica não fica refém de outros esportes, ela se mantém, dá lucros, progride, atrai patrocinadores, e assim conclui um ciclo virtuoso que só beneficia o esporte e justifica tamanho progresso, como visto acima. Prova disso, é que o modelo americano atrai, permanentemente, técnicos dos centros mais tradicionais da China, Rússia e Romênia e o inverso não se aplica.
Mas esses clubes só conseguem atingir essa eficiência econômica enquanto instituições capitalistas se tiverem público alvo. É sabido que a ginástica nos Estados Unidos é dona de lugar cativo entre a população, sendo um dos esportes mais admirados e praticados, especialmente entre os jovens. Isso também está diretamente relacionado com a existência de uma cultura esportiva eclética e heterogênea que não deposita suas atenções em apenas um ou dois esportes, como acontece no Brasil, onde o futebol toma o espaço dos demais esportes entre o público. Esse fato está enraizado na própria cultura americana, que sabe valorizar não esse ou aquele esporte, mas sim o esporte de forma geral.
Nesse ponto também entra o papel da mídia esportiva, que nos Estados Unidos tem um grande peso e é bem diversificada, abrangendo diversas modalidades, fato que não ocorre no Brasil, por exemplo, uma vez que sabemos que pelo menos com a ginástica a mídia é extremamente negligente, tendendo a dar desta que somente quando sobra um espaço vago na grade de programação ou quando há conquistas inéditas ou mesmo quando os problemas já engendraram níveis críticos. Ou seja, nos Estados Unidos, a ginástica conta com uma rotina periodizada na mídia e não com aparições esporádicas como ocorre no Brasil e isso, sem dúvida, ajuda a popularizar o esporte naquele país e a consolidar aquela cultura esportiva heterogênea citada acima.
Portanto, os Estados Unidos contam com uma convergência única de fatores essenciais dos quais eu, particularmente, não consigo identificar em outra nação: o comprometimento do Estado, da sociedade, da mídia e do mercado em prol da ginástica. Mas não só apenas na ginástica, poisessa estrutura se replica em vários outros esportes, o que explica a posição hegemônica do país nesse quesito. O Estado, através das Federações e da Confederação de ginástica, promove a captação e difusão do conhecimento esportivo, ajuda a formar grandes técnicos com tal difusão, tem absorve técnicos estrangeiros agregando ainda mais know-how, incentiva verdadeiramente a prática e o envolvimento no esporte, como por exemplo, bolsas universitárias para os atletas de alto rendimento, entre outros. Já a sociedade, como exposto, devota grande atenção e reconhecimento às dinâmicas do esporte, ajudando a atrair com sua grande audiência os patrocinadores, que são agentes tão necessários para o sustento de atletas e técnicos. A mídia, a partir da demanda social pelo esporte, oferece um serviço de alta qualidade divulgando e cobrindo competições e o dia-a-dia do esporte. E por fim, nos Estados Unidos, percebe-se como em nenhum outro lugar, a ginástica como um mercado, ou seja, os clubes não dependem excessivamente do socorro financeiro do governo ou de outros esportes para existir, já que conta com suas próprias divisas e financiam sua estrutura física, os salários dos colaboradores, as competições dos atletas e tudo o que uma empresa capitalista comum faz: cobre custos e aufere lucros!
Com essa segunda variável, corroboro a hipótese de os Estado Unidos serem a principal potência da ginástica atual, já que o seu primoroso modelo parece profundamente consolidado e não é encontrado em nenhum outro país. Observemos que China, Rússia e Romênia passaram por crises de renovação e tiverem decaídas de desempenho na última década: a Rússia no ciclo 2005-2008; a China não conseguindo se manter no pódio olímpico por equipes em 2012, sendo que era a campeã olímpica predecessora; e atualmente a Romênia parece estar se encaminhando para uma situação semelhante a da Rússia há dois ciclos atrás, sem uma renovação que a mantenha tecnicamente competitiva. Todavia, os Estados Unidos, desde o seu boom na década de 1980, nunca passou por tamanha crise e parece estar bem longe de uma, já que conta todos os anos com um número enorme de atletas elegíveis para a equipe nacional, fazendo com que a sua seletiva interna seja tão competitiva quanto um Campeonato Mundial.
Confira um documentário muito interessante sobre a conquista inédita e emocionante de Mary Lou Retton:
Terceira parte do artigo de Fabiano Araújo "Domínio estadunidense na ginástica artística feminina?". Colaborou Stephan Nogueira.
Terceira parte do artigo de Fabiano Araújo "Domínio estadunidense na ginástica artística feminina?". Colaborou Stephan Nogueira.